sábado, 25 de abril de 2015

5/10: Lição 3


5/10 LIÇÃO 3: ENTRE O CRACHÁ E O WALKIE-TACKIE: AUTORIA, AUTONOMIA E INVISIBILIDADE

Referência.

“Nos discursos dos indígenas que tematizavam as comemorações, encontrava-se, quase ritualisticamente, palavras como massacre, dor, opressão, destruição, dizimação, genocídio – palavras que são recuperadas inclusive no discurso de Matalawê Pataxó. Do mesmo modo, a palavra descobrimento foi sistematicamente substituída por invasão.” (CÉSAR, 2011, p. 133).

Nas comemorações dos 500 anos houve a “Macha e Conferência Indígenas”, na qual participaram diversos indígenas de várias comunidades. E, nessa conferência não entrava índio sem crachá, além de não ter dado espaço para determinadas apresentações de manifestações culturais dos indígenas presentes.

“Naquela conferência não só restou dor... certo?... Restou também uma experiência... que todos nós... paremos de pensar... e ver que precisamos nos unir mais. Porque foi uma coisa muito bonita... estava unido índio de todo o Brasil... e onde nós etávamos hospedados houve até uma febre... uma febre emocional!" - Depoimento de uma professora Pataxó Hã Hã Hãe -. (CÉSAR, 2011, p. 134).

Essa conferência se tornou também um fórum de debates e encaminhamentos sem precedentes. E, nessa grande reunião foi colocada em questão duas coisas a serem ressaltadas: 1- a possibilidade de recepção ao presidente da República, Fernando Henrique Cardoso; 2- inquietação do ministro de Turismo quanto as roupas que as mulheres Pataxó deveriam usar.

1-           Na recepção do presidente, seriam levados policiais militares para "uma medida de segurança", mas os indígenas não queriam os policiais para não repetirem o episódio da destruição do monumento indígena na Terra Indígena de Coroa Vermelha;

“(...) a Polícia Militar Estado da Bahia ocupava a área, desde a destruição do monumento indígena, intensificava-se o assédio às lideranças indígenas por representantes do governo, que colocavam carros, celulares e walkie-talkies à sua disposição, monitorando o que chamavam de esquema de segurança indígena.” (CÉSAR, 2011, p. 137).

2-           O ministro sugeriu “shorts cor da pele e meias transparentes” para as mulheres. As meias deveriam ser usadas por baixo das tangas.
E, essa proposta gerou grande mal-estar entre os pataxós, os quais rebateram a proposta:

Matalawê Pataxó (Jerry) – A gente não aceita esse negócio de comprar roupa... não... Dr. Ivo!
Mulher Pataxó: Também temos... minha roupa...”. (CÉSAR, 2011, p. 136).

Assim, o resultado dessa visita do presidente foi: os indígenas deveriam encontrá-lo em Porto Seguro, ao invés dele visitar Coroa Vermelha. E, em uma reunião, o ministro de Turismo forjou uma carta e anexada à ela havia uma lista de presença (assinada pelos indígenas como se fosse um abaixo-assinado), na qual os indígenas "autorizaram" a presença ilegal da Polícia Estadual em seu território.
E, com a presença da polícia na comunidade houve inúmeras tentativas de silenciamento às manifestações da marcha Brasil: outros 500.

“A Polícia Militar da Bahia, por ordem do governador do Estado, atuaria para garantir esse silêncio constitutivo dos manifestantes, necessário para a ressonância da fala oficial, e nesse sentido precisava garantir uma outra forma de silenciamento explícito, o silêncio local, a partir da censura, da sonegação corporal, da interdição explícita de manifestação dos participantes da marcha e dos militantes negros do Quilombo”. (CÉSAR, 2011, p. 145).

Assim, um dos propósitos da marcha era chegar até Porto Seguro “(...) num alinhamento à posição majoritária entre os participantes da conferência, os indígenas se posicionavam politicamente no sentido de definir uma posição de autoria e autonomia frente aos acontecimentos impostos”. (CÉSAR, 2011, p. 146).

“(...) não vai ser festa... Eu tou vendo que vai ser uma guerra na nossa frente”. (ITAMBÉ, apud CÉSAR, 2011, p. 147).



REFERÊNCIA:



CÉSAR, América Lúcia Silva. Lições de Abril: a construção da autoria entre os Pataxó de Coroa Vermelha. Salvador: EDUFBA, 2011, p. 132-149.

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