5/10
LIÇÃO 3: ENTRE O CRACHÁ E O WALKIE-TACKIE:
AUTORIA, AUTONOMIA E INVISIBILIDADE
Referência. |
“Nos discursos dos indígenas que tematizavam as
comemorações, encontrava-se, quase ritualisticamente, palavras como massacre, dor, opressão, destruição,
dizimação, genocídio – palavras que são recuperadas inclusive no discurso
de Matalawê Pataxó. Do mesmo modo, a palavra descobrimento foi sistematicamente substituída por invasão.” (CÉSAR, 2011, p. 133).
Nas comemorações dos 500 anos houve a “Macha
e Conferência Indígenas”, na qual participaram diversos indígenas de várias
comunidades. E, nessa conferência não entrava índio sem crachá, além de não ter dado espaço para determinadas apresentações de manifestações culturais dos indígenas presentes.
“Naquela conferência não só restou dor... certo?...
Restou também uma experiência... que todos nós... paremos de pensar... e ver
que precisamos nos unir mais. Porque foi uma coisa muito bonita... estava unido
índio de todo o Brasil... e onde nós etávamos hospedados houve até uma febre...
uma febre emocional!" - Depoimento de uma professora Pataxó Hã Hã Hãe -. (CÉSAR,
2011, p. 134).
Essa conferência se tornou também um fórum de
debates e encaminhamentos sem precedentes. E, nessa grande reunião foi colocada
em questão duas coisas a serem ressaltadas: 1- a possibilidade de recepção ao
presidente da República, Fernando Henrique Cardoso; 2- inquietação do ministro
de Turismo quanto as roupas que as mulheres Pataxó deveriam usar.
1-
Na
recepção do presidente, seriam levados policiais militares para "uma medida de segurança", mas os indígenas não queriam os policiais para
não repetirem o episódio da destruição do monumento indígena na Terra Indígena de Coroa Vermelha;
“(...) a Polícia Militar Estado da Bahia ocupava a área,
desde a destruição do monumento indígena, intensificava-se o assédio às
lideranças indígenas por representantes do governo, que colocavam carros,
celulares e walkie-talkies à sua
disposição, monitorando o que chamavam de esquema
de segurança indígena.” (CÉSAR, 2011, p. 137).
2-
O
ministro sugeriu “shorts cor da pele
e meias transparentes” para as mulheres. As meias deveriam ser usadas por baixo
das tangas.
E, essa proposta gerou grande
mal-estar entre os pataxós, os quais rebateram a proposta:
“Matalawê Pataxó (Jerry) – A gente não aceita esse negócio de
comprar roupa... não... Dr. Ivo!
Mulher
Pataxó:
Também temos... minha roupa...”. (CÉSAR, 2011, p. 136).
Assim, o resultado dessa
visita do presidente foi: os indígenas deveriam encontrá-lo em Porto Seguro, ao
invés dele visitar Coroa Vermelha. E, em uma reunião, o ministro de Turismo forjou uma carta e anexada à ela havia uma lista de presença (assinada pelos indígenas como se fosse um abaixo-assinado), na qual
os indígenas "autorizaram" a presença ilegal da Polícia Estadual em
seu território.
E, com a presença da
polícia na comunidade houve inúmeras tentativas de silenciamento às
manifestações da marcha Brasil: outros
500.
“A Polícia Militar da Bahia, por ordem do governador do
Estado, atuaria para garantir esse silêncio constitutivo dos manifestantes,
necessário para a ressonância da fala oficial, e nesse sentido precisava garantir
uma outra forma de silenciamento explícito, o silêncio local, a partir da
censura, da sonegação corporal, da interdição explícita de manifestação dos
participantes da marcha e dos militantes negros do Quilombo”. (CÉSAR, 2011, p.
145).
Assim, um dos
propósitos da marcha era chegar até Porto Seguro “(...) num alinhamento à
posição majoritária entre os participantes da conferência, os indígenas se
posicionavam politicamente no sentido de definir uma posição de autoria e
autonomia frente aos acontecimentos impostos”. (CÉSAR, 2011, p. 146).
“(...) não vai ser
festa... Eu tou vendo que vai ser uma guerra na nossa frente”. (ITAMBÉ, apud CÉSAR, 2011, p. 147).
REFERÊNCIA:
CÉSAR,
América Lúcia Silva. Lições de Abril: a
construção da autoria entre os Pataxó de Coroa Vermelha. Salvador: EDUFBA,
2011, p. 132-149.
Nenhum comentário:
Postar um comentário